
Esta Era transporta consigo (como as outras que a precederam) uma intensa preocupação com a Morte. Esse vulto sombrio e encapuçado com a foice do tempo numa mão ossuda vem ensombrando continuamente os sonhos das avestruzes abismadas que somos. Mas a passagem dos anos tem o seu modo próprio de transformar a nossa realidade e as suas preocupações. O Homem teme o tempo que passa mas a ciência vai atenuando esse temor. Das cinzas desse, porém, outro ganha forma. E o que se teme mais neste milénio, não é já a morte de um corpo, de uma sociedade, de uma civilização, até mesmo de um planeta cada vez mais esgotado de recursos e equilíbrio ambiental, mas a morte da Economia das Nações a que o génio e o engenho Humanos deram a responsabilidade e o poder de reger tudo. Assim, na roda incansável dos ideais, das espiritualizações, das crenças, o Capitalismo é o novo Deus que determina os valores, os estatutos e as necessidades. A sua palavra é escrita com cifrões e é sempre de Ordem. A sua Ditadura é aclamada, pedida, exigida entre a súplica chorosa e a ameaça, entre as lágrimas pedantes e os delírios da raiva. O Homem perdeu-se nas suas adorações e na noite da sua estupidez. Ele ama o Poder que instituiu e que o escraviza, e só assim escravizado pode sentir-se feliz. De facto, diante da Liberdade, essa mulher difícil, o Homem Comum não sabe o que fazer com ela, e o Instruído há muito que a renegou. Porque a Liberdade, para o primeiro, implica decidir e ele não sabe nunca o que escolher; para o segundo, é responsabilidade e ele não se dá bem com a Moral.
Assim, através dos séculos, o receio persiste, e a Morte ainda assusta no seu cavalo preto, com a sua foice, o seu capuz protector, o seu esqueleto caiado, promessa sarcástica da nossa decadência. Mas o terror absoluto reside apenas na morte desse Deus que gere todo o interesse, desse grande irmão dos donos deste Mundo que dá pão e água aos deserdados. Dá em troca da humilhação. Dá em troca da vassalagem. Dá em troca da alienação.
Sim… Esta Era transporta consigo uma intensa preocupação com a Morte: mas a Morte que assusta é a do Poder, não a do Homem. O vendedor de sonhos está tão cego na teia dos seus negócios, que teme a perda da carroça que conduz, bem mais do que a do ser que lhe dá forma. (Lisboa, 06/01/03)
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