
Todos somos Deus se o quisermos ser, se aceitarmos que Deus somos nós. A Fé não lava a angústia quotidiana, mas dá poder aos bruxos que a governam. Os padres são uns ladrões de almas. Roubam aos tolos para pedir resgate. Pela submissão, pelo dinheiro, pelo prazer. Eles têm olhos e serpentes num frasco sob a cama. Debaixo do tapete do quarto um alçapão esconde uma sala de torturas. Num armário estão cabeças decepadas que suplicam ainda compaixão. Mulheres e crianças nuas gritam das paredes a que ainda estão amarradas, os penitentes pendem do tecto gemendo em latim a confissão de existirem e o pecado de amar. A casa fede a vinho, por todo o lado há papéis, contractos, letras, contemplando negócios com ministros, banqueiros, mercenários, magnatas. O ar tresanda a corrupção. Por detrás de um quadro da Última Ceia ocultam um cofre com segredo onde guardam as esmolas dos fiéis. Dessas ofertas de sacrifício e de sangue hão-de um dia mandar fazer um palácio. Até lá descansam sorridentes sobre a ingenuidade das massas. Porque eles sabem, como qualquer Homem Livre, que Deus é uma extensão deles mesmos mas que o comum dos mortais não suporta contemplar tal extensão. As massas precisam de expurgar o absurdo como um corpo repele os seus excrementos. Tirar-lhes isso é tirar-lhes o ar com que respiram e impedi-las de ser. Por isso a Igreja é o Estado mais poderoso do Mundo e o mais tirânico e cruel. Negar a Igreja é negar os medos do Homem e, como tal, parte da sua natureza débil e da sua História. É esse afinal o seu maior Poder: saber que os Homens negam maioritariamente o seu Deus (a divindade inegável que está neles mesmos) permitindo-lhe assim que se mantenha imortal.
(Lisboa, 29/05/96)
0 Comments:
Post a Comment
<< Home