
Ele era talvez um homem com aptidão natural para o conflito. Nele havia sempre a ânsia da disputa, uma vontade de guerra, uma chama ígnea de rancor. Os seus desejos não tinham calma nem paz, nem simpatias, cuidados ou ternuras. Rios de sangue, pântanos de morte, areias movediças de tormentos eram os seus ideais secretos e profundos, as suas aspirações. Queria por vezes que um outro o ofendesse, apenas para polir as suas razões mais do que suficientes e justificadas, para assegurar a força retórica de um ataque, uma agressão, de uma investida, para assegurar na assembleia social, na plataforma política das discussões e dos discursos a legitimidade da sua maldade humana. Ele era mau, mas não era único. Tinha apenas de se preocupar em gerir democraticamente, entre todos os homens vis deste mundo, a sua maldade imbecil e bestial. Se tudo lhe era turvo, havia que saciar a sede de vinganças. Dizia ele que assim, através da violência infundada (como o é toda a violência), mitigava a sua angústia. Mas este homem não era o executante físico. Toda a sua acção era moral. Ele era um Senhor do Mundo ou, senão deste, pelo menos, um Senhor de alguém que não era senhor de si próprio. Matava, assim, sem ter de verter sangue. Sem ter de manchar as mãos. Pesava apenas crimes que não tinha numa consciência adormecida que jamais o impedia de dormir. Porque há homens consumidos pelo ódio que não suportam ver as suas mãos manchadas, mas que mancham tudo em seu redor. Mas no fundo, tais homens são uns cobardes sem dignidade ou ponta de valor: a Sorte que tiveram foi-lhes tão ingrata que não lhes deu sequer a frieza para cumprir as suas convicções...
(Lisboa, 21/05/96)
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