Alexandria - Se Tu Queres Sarar a Solidão...

Do Elogio da Morte ao Requiem do Abandono, Alexandria é a Biblioteca das Ruínas de cada Eu fragmentado, da insustentável esquizofrenia do Mundo...

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Imagine Alexander, before conquering half the world: A man full of dreams and handful of sand. Well, that's me...

Thursday, June 21, 2007

Diário do Bibliotecário dos Tombos: Homenagem a Fernando Pinto Nogueira Pessoa

Guardo a Mensagem do Fernando junto a mim. «É a hora!», «É a hora!», olha, «É a hora!»... Tarde me avisáste. Tarde, sim... A hora já passou há muito tempo... Mas no vazio de outras horas tento achar um sentido profundo para essa velha mensagem. A cada dia um texto, como se fosse ele a necessidade do corpo e não a carne e o peixe ou outras exigências orgânicas... e em cada leitura tento achar-me um outro, reinventar-me, fugir o mais possível desse cansaço de mim. Já nem sei quantas vezes te reli, Fernando… Eras um génio. Ultrapassavas em tudo a dimensão de Pessoa. E as pessoas comuns que nunca se transcendem, insultam-te nas ruas, amaldiçoam-te nas salas de estudo, largam-te com alívio e com nojo nos lavabos, na ressaca dos desgostos da vida… Quase ninguém te entendeu. Mesmo aqueles que te autopsiaram os poemas, que te rasgaram o quotidiano e a alma, que te dissecaram os sonhos que não tornáste visíveis chegaram ao mais sentido e verdadeiro de ti: Para todos os efeitos és um louco com problemas de personalidade. Eis o resultado e pores diante do espelho a tua longa coleccção de retratos, as manifestações completas dos teus eus. Puseste a hipocrisia de lado e decidiste encarar a dureza de ser. É verdade que por vezes te cansavas e tomávas o alcoól como refúgio. Mas mais do que isso tem valor a tua fúria divina à secretária. Quando te sentavas, ou te punhas de pé, ou de cócoras, ou de pino, ou de pés e mãos para o ar ou como diabo te punhas, áquela mesa que tão bem conheceste, ou à cadeira em que te sentaste, ou à tona do sonho onde vinhas sorver o ar libertador desse sufôco tributário das horas e dos dias, com o teu alcoól, o teu café, o teu cigarro, naquele quarto ou no torpôr d’A Brasileira, quando te vias com a folha e a caneta na mão, e a febre na mente, eras um animal enjaulado rebentando as grades, transpondo barreiras, matando a fome à Solidão que entendias como poucos a entendem…
Conheço muito do que sei que sentiste. Na minha carne de bibliotecário sozinho que também lê e escreve e cai eternamente do cimo dos seus sonhos, sinto as tuas feridas e também as minhas a agravá-las; nestas veias segue o mesmo sangue estragado, febril e irregular desde o berço; nestas mãos nervosas e sem força o mesmo frémito de patologia me leva a escrever versos e delírios; neste absurdo de ser, há a mesma dôr confusa a badalar os dobres dos seus sinos sonoros, colossais... Assim, porque não, Fernando, o mesmo génio, se partilhamos, helàs, os mesmos ais??!

(Lisboa, 10/09/99)

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