Alexandria - Se Tu Queres Sarar a Solidão...

Do Elogio da Morte ao Requiem do Abandono, Alexandria é a Biblioteca das Ruínas de cada Eu fragmentado, da insustentável esquizofrenia do Mundo...

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Location: Lisboa, Gumolândia, Portugal

Imagine Alexander, before conquering half the world: A man full of dreams and handful of sand. Well, that's me...

Saturday, June 30, 2007

Minha Agridoce Inconstância!

Faz um frio de rachar. E eu sem conseguir pegar no sono… Que tristeza, amor! Que solidão estar sem ti! Tenho a impressão, por vezes, de que toda esta geada nasceu da tua ausência! Não queres sair dessa distância insuportável de raínha do gelo para vires até aqui à minha beira calar o meu sofrimento? Toda a primavera começa com um beijo, cantou uma vez certo bardo junto à torre do castelo da princesa mais bela, nas pradarias imensas da Bretanha… Fico então deitado, curando a minha insónia, sonhando, não dormindo, com esse momento ideal e sublime em que tu me beijasses. E o beijo enfim a acontece. Ainda bem que era um sonho. Imagina que tudo acontecia de facto: A primavera seria então eterna, e para sempre duraria a minha felicidade. E eu, miserável e humano, que aborrecimento enorme sentiria desse idílio do sonho! E que saudades daquele frio que me rachava os ossos e me deixava vazio e infeliz! E eu sem conseguir pegar no sono! Que tristeza amor! Que solidão nesta Beleza Infinita em que a perfeição domina todas as coisas! Tenho a impressão, talvez, de que este sol me nasceu do inferno que carrego na alma… Não queres voltar a essa distância inalcançável para me trazeres de novo aquele gelo que tanta falta me faz? Todo o Inverno do Homem surgiu de um imenso bocejo… disse-me um dia um certo sábio a quem eu dei de comer… Fico então deitado, curando a minha insónia, sonhando, não dormindo, com esse momento ideal e sublime em que a treva voltasse. E a noite enfim acontece. Ainda bem que era um sonho. Imagina que tudo acontecia de facto: A treva seria então eterna e para sempre duraria a minha infelicidade. E eu, miserável e humano, que aborrecimento enorme sentiria dessa dor repetida! Sim, faz um frio de rachar. E eu sem conseguir pegar no sono…

(Lisboa, 07/12/99).

Friday, June 29, 2007

Besame Mucho...

a) A vida é um tango em que procuramos seduzir as coisas que inventámos para continuarmos a amar os nossos passos, as nossas invenções fastidiosas; e nós somos o instrumento por meio do qual ela adquire essa música…

(Lisboa, 06/12/99)

b) A vida é um tango; dancêmo-lo.

(Henrique Esteves, um amigo, dos melhores; Campolide, 07/05/06)

Thursday, June 28, 2007

"Volúpia do Aborrecimento"


O inesperado é o elixir mágico com que anulamos o tédio e nos sentimos novos sob o peso das horas inefáveis


(Lisboa, 04/12/99)

Wednesday, June 27, 2007

Notas do Viajante Assombrado

De súbito, com uma aspereza impossível, caiu o assombro das árvores. Sobre as folhas sêcas, a meus pés, desceu, pesadamente, uma poeira negra; a mágoa inteira dos séculos tombava sobre os mortais. E foi então que eu, o viajante casual dessas passagens, senti (que não sentisse, ò Cloé, quem me dera!) com uma consternação inconsolada, a comprida antiguidade dessa angústia aterrar, como um despiste, no mais fundo lugar da minha alma…

(Lisboa, 03/12/99)

Tuesday, June 26, 2007

Diário do Cínico Solitário...

Um grande acontecimento aproxima-se, na História da Humanidade, o que vem exigindo muitas celebrações, elocubrações, planeamentos. Dizem os jornais, as televisões, as emissões radiofónicas, festeja-se (a medo) o final do milénio, o final de um governo (algures no mundo muda sempre um governo), o fim de Timor como província Indonésia (isto é, agora palco da exploração geral)... No fundo, tudo se resume a essa empolgante engrenagem da Política, a esse tic-tac inconfundível das múltiplas rodas do Poder. É a Democracia Universal, máscara do Despotismo, num eufórico e popular movimento.
E eu, como sempre, passo alheado a essas manifestações, como quem passa pelo sujeito do Metro que nos estende um panfleto ou nos vende pensos e revistas em nome da sempi-eterna pobreza dos miseráveis. O meu egoísmo não admite complacências, e, na maioria dos casos, o meu egoísmo está certo. A minha consciência, ainda jovem e esquiva, vem, por enquanto, sustendo bem os seus erros.
Parece então que o sujeito comum e o incomum se preparam, unindo esforços, para a recepção com pompa desta promessa nova. Mas que posso eu fazer, eu que desprezo e abomino toda e qualquer promessa? Eu que me cansei de prometer e esperar, e de falhar nas promessas e nas esperas? O que cabe fazer ao Homem Desesperado, ao Homem Lógico, doentiamente racional e infeliz? Nestas horas de promessa para os outros, o que lhe resta é então a imitação de São João, na sua visão do Apocalipse. Ao Homem, porém, mais modesto (ou mais impotente do que o ideal de profeta ou de santo), não se admite mais do que a contemplação do termo de si próprio.
Preparo-me então para o fim de mim mesmo com a mesma determinação com que as beatas (ainda e sempre por apagar, ò paciência!) se preparam, remoendo rezas, para o fim colossal de todo o Mundo… O resultado disso será imprevisível como qualquer fim, nem poderei eu reportá-lo. Pois que ser neste mundo estagnado tem o dom (ó lamentável limitação da lógica!) de relatar o termo de si próprio?! (Lisboa, 02/12/99)

Monday, June 25, 2007

Enigmas do Amor, esse Egoísmo!...

Alimentas-me o espírito: não há dúvidas.
Alimentas-me o corpo: não há dúvidas.
E eu, com o meu espírito, alimento-te o espírito: não há dúvidas.
E eu, com o meu corpo, alimento-te o corpo: não há dúvidas.
O que quer dizer… há certezas…
Então porquê esta dúvida?

(Lisboa, 01/12/99)

Sunday, June 24, 2007

Ratoeira...

Lembro a origem de tudo: Estavas no cruzamento entre o céu e o mar, e bebias insaciavelmente a paisagem. Eu passava de barco, como passo às vezes, disfarçando a minha solidão. Fingi-me um pescador em águas agitadas, e lancei uma rede ao teu perfil de sereia abandonada, deixando no ar essa proposta em que pedia que tu fosses minha. Porque o ideal do amor é sempre livre mas o desejo pede a propriedade, anulando, assim, o ideal.
Foi talvez por me fingir ser outro que esqueci os vários perigos do mar. Esse barco em que digo que passeio, como todo o barco que passeia, estava destinado à tempestade. E a sereia que o teu canto sugeriu, foi tirada da fábula de Ulisses e surgiu-me diante dos meus olhos com o propósito singular e cruel de me enfeitiçar para o confim dos Tempos. No alvoraçar do meu desejo, eu fui em busca da minha vontade, e fiz-me predador para cumpri-la. Mal sabia, ò perfida visão!, que a eterna maldição do caçador é ser tornado na presa que ele caça…

(Lisboa, 30/11/99)

Saturday, June 23, 2007

Curta Consideração Sobre Drummond

Carlos Drummond de Andrade é tido como o grande poeta brasileiro, o Fernando Pessoa do Brasil. Como muito da literatura brasileira, eu tenho-o como um poeta menor. Ele escreveu textos lindíssimos. Isto é inegável. «Segredo» é dos melhores poemas que já alguma vez lí. Tem frases de uma beleza incomparável. Era um homem sensível de certo talento. Mas não façam dele o gigante que não é. «No meio do caminho tinha uma pedra… etc.,» tem uma única frase poética: "nunca esquecerei esse acontecimento na vida de minhas retinas tão fatigadas…" Este é o poema. A pedra e o caminho repetidos ad nauseam são traços pessoais válidos, mas erros da literatura. O poema, porém, que o é a custo, tornou-se um marco na Poesia Lusófona, seja lá isso o que fôr. Mas o que motivou o poema da pedra? O que obrigou Drummond a essa interminável repetição? Que espécie de desespero não literário (e o desespero é, por norma, literário – a literatura sempre apreciou uma boa tragédia) assolou o poeta ocasional que era Drummond, de modo a que ele arruinasse as duas linhas supra-citadas com um simples calhau repousado num qualquer percurso? É evidente que o caminho era a vida do poeta e o calhau em questão um obstáculo intransponível ou uma tragédia pessoal, naquele momento, inultrapassável ou com a qual o sujeito poético (como é do agrado das academias) não se conformava. Mas vingar-se no leitor inocente para lhe impôr de modo tão cru o calhau da sua dôr pessoal, não será demasiado egoísta, mesmo por parte de um autor aclamado? De acordo com certas interpretações, a pedra no meio do caminho confunde-se, de algum modo, com o Destino, tendo este, por sua vez, ditado a morte de um filho de Drummond. Ora, quem acredita no Destino, afirma que, nessa inevitabilidade entediante, há um propósito superior inquestionável e interrompível, com um sentido demasiado grande para a limitada compreensão humana. Como é porém possível que, 2000 anos depois da barbárie das civilizações que nos precederam, continue a haver quem entenda ser justificável, de acordo com uma visão superior, o sacrifício de Isac? Não será consolação demasiado cobarde para o espírito atormentado pela dôr pessoal? Eu que não acredito no Destino, que digo que a vida não é um caminho mas uma partida de xadrês e que sou eu que movimento as minhas peças em direção ao derradeiro xeque-mate (e com quem jogo senão comigo mesmo? Sim, estou condenado a vencer-me mas esse é o prazer do jogo e só assim ele se torna possível), eu sinto, inexplicável e paradoxalmente, embrenhada, entre tantas certezas, esta confusão tão característica de mim mesmo: de que lado estou quando jogo as peças? Como lidar com as minhas escolhas na esquizofrenia das minhas personalidades? Quando o acaso ou o erro me torturam, e os desgostos se acumulam sobre o corpo, como viver tudo isso? Como recuperar a peça perdida, ou, na linguagem de Drummond, como passar além da pedra que nos impede ou nos espanta o caminho? A pergunta é uma incógnita a que só a circunstância particular do que se vive poderá responder. Porque nenhuma realidade, nenhum problema é passível a generalizações. É por querer generalizar as suas soluções que o homem falha a resposta a todos os seus problemas. E se, por hipótese, eu falhar a reparação do erro? Errar ao corrigir um erro já cometido, não será o cúmulo da incapacidade? E quantas vezes falhamos a correcção anterior! A nossa vida é então uma sequência de jogadas ou de passos em falso. Assim, no meu tabuleiro de xadrês, a derrota é garantida para qualquer um dos lados do tabuleiro, e no caminho de Drummond haverá sempre uma pedra a impedir a passagem, que se multiplica noutras pedras suas iguais e se hiperboliza numa pedra maior até se tornar num rochedo intransponível. Que força de Homem, interior ou exterior, pode derrubar um rochedo? Onde está o mito de Hercules nessas horas? É neste momento de contemplação da derrota que eu tenho pena das minhas limitações de mortal e, consequentemente, de mim mesmo. E, por força dessas desilusões, vou-me tornando cada vez mais insensível. Julgo então que foi neste espírito de crescente insensibilidade, que eu encarei, Drummond, a revelação de ser, a pedra que assombrou o teu caminho, o teu filho nado-morto. Também aqui tive pena. Mas não me parece que fosse essa a tua vontade. Nem tampouco a minha. A minha pena por ti não te consola nem me torna a mim em alguém melhor. Pelo contrário. Tu tornas-te ridículo e patético e eu torno-me vil por te dar a entender, por meio da minha pena, que sou melhor do que tu. Assim, eu passo a ser a pedra no meio do teu caminho, e tu a assombração permanente da minha própria derrota. Tu com o teu rochedo intransponível, eu com a ameaça constante de um mate que não desejo. O maior inconveniente da dôr é termos de vivê-la contra a nossa vontade. O Destino dá a ilusão de um desígnio. O meu egoísmo dá-lhe a ilusão de uma escolha. O melhor seria ignorares a tua pedra e eu ignorar o meu jogo, esquecer as suas regras, ignorar que o Rei pode ser posto em cheque e perder o jogo. É esta, creio eu, a prova de que não existe um Destino: Se ignorarmos todas as regras por que, normalmente, se regem as coisas, podemos criar um Universo paralelo em que somos nós que decidimos o resultado dos dados: O Deus que nos tornaremos passará a brincar às probabilidades por saber de antemão o resultado. É nessa quebra que reside a verdadeira poesia. Quando deixáste de falar directamente da pedra para dizeres que não te esquecerias dela, foi quando efectivamente te esqueceste dela e a tua escrita respirou como um poema. Depois o nome da pedra voltou para amordaçar a poesia. Não existe pedra, não existe caminho, tu passas por todo o lado. E eu não vivo em nenhum tabuleiro, não sei o que é um Rei, uma torre é um bloco de cimento onde as princesas sobem para apreciar a paisagem, tudo é fácil e belo, o dicionário de línguas não contempla o que poderia ter sido a palavra: xadrês… Este é o poema.

(Lisboa, 29/11/99)

Friday, June 22, 2007

Diário do Conservador de Bobines: Homenagem a Oscar Fingall O’ Flaherty Wills Wilde:

Fui à tela ver a vida de Oscar Wilde…Ah, meu doce irlandês insuportável! Meu amor ideal sem efectividade alguma! Minha fraqueza animal! Bem dito, nem fui ver-te... Eu mesmo fiz rodar o teu filme numa sala de cinema antigo; pouca gente foi ver... as cadeiras vazias e eu de alma cheia a admirar-te... Porfim tudo acaba, e a magia das coisas excepcionais teima, por força, em querer desaparecer... Mas eu estava possesso, extasiado, doido! Fui a correr pelas ruas a gritar o teu nome! Já em casa, na minha cave húmida e sombria, deitei-me sobre o colchão de molas que rangem e guincham como velhas loucas e olhei os livros da minha biblioteca... Imaginei então o excepcional que seria que tu saísses deles por artes do oculto e te sentasses sobre o bordo da minha cama a ranger, e que os dois nos deixássemos por horas a falar sobre tudo e sobre nada... Os nossos gostos, as nossas ideias, as ideias dos outros, mesquinhos e banais... pensar como um modo de falar, falar como um modo de pensar... depois um brandy, um absinto, uma tertúlia... eu leria as tuas peças de teatro de ironias finas e mordazes, e tu os meus poemas de bolso em edição privada de autor anónimo e menor... Ah, meu Wilde! não o sabes, não o imaginas sequer, nem isso que não sabes e que não imaginas te interessa (muito menos agora que estás morto), mas partilhamos as fúrias e os medos... As campas, é sabido, não devolvem os corpos do deserto onde descansam, como Plutão não devolve as suas presas... Por isso, tu não podes ouvir-me e eu falo para um papel que nada tem para me dar; e falar assim para um papel, e dá-lo a ler a outros é ridículo e inútil; mas o que há de mais belo e de mais significativo no mundo é, normalmente, ridículo e inútil. Porque esse é o espelho da nossa natureza… Assim, ridícula e inutilmente te confesso a minha inclassificável admiração por ti, a coragem com que sempre enfrentáste os brutos da tua altura. Todas as eras têm brutos. O génio é aquele que, com grandeza, se destaca dos seus... E se tu, meu adorado, tinhas génio! E se tu tinhas carácter! Em nada te eram melhores e tu, homem faltoso e soberbo, eras melhor em tudo! Que tinham eles, os dandys, os patetas, que não tivesses tu?! Eu digo-to, que o sei! - A podridão da alma! A tua eloquência sublime é ainda hoje imortal e prevalece, mesmo estando tu morto, na oralidade e na escrita. A tua elegância, o teu paradoxo profundo, a beleza poética de tudo o que escrevias são Hinos à inexistente alma Humana. Sim, Oscar, talvez (eu sonho ainda, enquanto, depois do teu filme naquela frágil tela, projecto a minha vida além de mim), talvez o teu fantasma pudesse surgir-me um dia para discutirmos a natureza do Tempo; pois tu entenderias, melhor do que ninguém, que, entre dois seres inteligentes, isso é afinal tão arbitrário e tão poético, no jogo infindável da linguagem, quanto o, por exemplo, falar-se de amor… E então, quem sabe, também tu me terias admirado, e também tu virias, ridícula e inutilmente, escrever um qualquer texto num cadarnado esfolado, que louvasse com saudade amargurada o filme singular da minha vida…
(Lisboa, 28/11/99)

Thursday, June 21, 2007

Diário do Bibliotecário dos Tombos: Homenagem a Fernando Pinto Nogueira Pessoa

Guardo a Mensagem do Fernando junto a mim. «É a hora!», «É a hora!», olha, «É a hora!»... Tarde me avisáste. Tarde, sim... A hora já passou há muito tempo... Mas no vazio de outras horas tento achar um sentido profundo para essa velha mensagem. A cada dia um texto, como se fosse ele a necessidade do corpo e não a carne e o peixe ou outras exigências orgânicas... e em cada leitura tento achar-me um outro, reinventar-me, fugir o mais possível desse cansaço de mim. Já nem sei quantas vezes te reli, Fernando… Eras um génio. Ultrapassavas em tudo a dimensão de Pessoa. E as pessoas comuns que nunca se transcendem, insultam-te nas ruas, amaldiçoam-te nas salas de estudo, largam-te com alívio e com nojo nos lavabos, na ressaca dos desgostos da vida… Quase ninguém te entendeu. Mesmo aqueles que te autopsiaram os poemas, que te rasgaram o quotidiano e a alma, que te dissecaram os sonhos que não tornáste visíveis chegaram ao mais sentido e verdadeiro de ti: Para todos os efeitos és um louco com problemas de personalidade. Eis o resultado e pores diante do espelho a tua longa coleccção de retratos, as manifestações completas dos teus eus. Puseste a hipocrisia de lado e decidiste encarar a dureza de ser. É verdade que por vezes te cansavas e tomávas o alcoól como refúgio. Mas mais do que isso tem valor a tua fúria divina à secretária. Quando te sentavas, ou te punhas de pé, ou de cócoras, ou de pino, ou de pés e mãos para o ar ou como diabo te punhas, áquela mesa que tão bem conheceste, ou à cadeira em que te sentaste, ou à tona do sonho onde vinhas sorver o ar libertador desse sufôco tributário das horas e dos dias, com o teu alcoól, o teu café, o teu cigarro, naquele quarto ou no torpôr d’A Brasileira, quando te vias com a folha e a caneta na mão, e a febre na mente, eras um animal enjaulado rebentando as grades, transpondo barreiras, matando a fome à Solidão que entendias como poucos a entendem…
Conheço muito do que sei que sentiste. Na minha carne de bibliotecário sozinho que também lê e escreve e cai eternamente do cimo dos seus sonhos, sinto as tuas feridas e também as minhas a agravá-las; nestas veias segue o mesmo sangue estragado, febril e irregular desde o berço; nestas mãos nervosas e sem força o mesmo frémito de patologia me leva a escrever versos e delírios; neste absurdo de ser, há a mesma dôr confusa a badalar os dobres dos seus sinos sonoros, colossais... Assim, porque não, Fernando, o mesmo génio, se partilhamos, helàs, os mesmos ais??!

(Lisboa, 10/09/99)

Wednesday, June 20, 2007

Posturas...

Escrevo a preto no caderno branco e sinto-me mudado. Tenho medo do Fim. Não da Morte: do Fim. Do que direi, do que farei, se me saberei comportar. Porque parece que a Morte comporta consigo uma certa ideia de aprumo. E, para atingir tal aprumo, onde meterei eu esta raiva que me acompanha durante os dias, e o tédio, e a inércia, e o sono, e o sono, e o sono, e o sono???
Estou doente. Doente. É por isso que escrevo. Mas não sei por quanto tempo mais irei escrever. Porque tenho vontades, mas não domino nunca as minhas vontades. Nem elas se mantêm as mesmas. Como não sei quanto durará esta caneta, nem se durarei eu o necessário até que ela acabe, para que a sinta acabar, para que a veja acabar, para que me preocupe, eventualmente, com o ela acabar…

(Lisboa, 18/05/99)

Tuesday, June 19, 2007

Na espera...

a) Uma silhueta ao fundo que se aproxima. Lentamente. Cada dia mais perto. Cresce. Mais nítida, sempre mais nítida… Que quererá de mim?
b) Era o carteiro? Era o fiscal? Era a polícia?
c) Era o Fim…

(Lisboa, 17/09/98)

Monday, June 18, 2007

Progressos, Pessimismos, Constatação Inútil...


Sabes, Hamlet?, a vida perdeu o Norte. Seres ou não seres são dúvidas antigas... Os dias são pegadas dos teus passos, poeira das horas que deixaste de ter.... A Morte é o destino desses passos... Que ironia profunda há em viver!

(Lisboa, 16/09/98)

Tradução De Uma Prece Condenada a Auto-De-Fé - (Quase Um Trabalho Poético - Original e Tradução)[1]

O Original:

Agnus Dei qui tolis peccata Mundi ora pro nobis!

A Tradução:

Cordeiro de Deus, tiraste os pecados do Mundo... E então e nós???!!!

Lisboa, 20-05-98

[1] Nota do Crítico Especializado: Inútil especificar que o autor errou a tradução do latim. Tanto trabalho (pretensamente poético) foi, afinal, consideravelmente vão. Felizmente, para urbi et orbi, o artista em questão não se dedicou à filologia - Por certo, redefiniria o vocábulo caos. Por Santa Ingrácia! Que o Céu me perdoe o pensamento tão escassamente cristão... Mas como eu tenho raiva a todo o autor menor!!!

Sunday, June 17, 2007

Da Minha Tradição Popular...

Ora, o provérbio, era como, ao certo? … Quem tudo quer, na vida… tudo perco…

(Lisboa, 18/07/98)

Saturday, June 16, 2007

E É Tão Urbano Este Desgosto!...:

Sigo aos tropeções nas avenidas; passo sem acerto pelas calçadas sujas; empurro os transeuntes domingueiros por me doer o terem um domingo e o gozarem, assim, tão levemente; ofendo sem justificação plausível o agente da autoridade regular, pondo em causa a autoridade de que ele se diz ser agente; espanco brutalmente os mendigos que se insurgem contra a minha pobreza; grito às casas mortas a minha solidão: «Ò Gentes, venham às portas!, às janelas!, quero pão! Se pão já não tiverem, não dão um beijo, não?». Ninguém. Ninguém! Tanta vileza! A Vida está aqui, eu estou além. A Vida está alí, eu estou aquém. Isto é suspeito: Vivo sem Norte na bússola do peito… Vivo sem Norte... Que mágoa a incerteza!
– Não, não, … claro… é garantido!, passo aí para fechar o negócio amanhã…
– Vê por’ond’andas, cretino!
– Se eu mandei a carta? Mas se só ontem recebi o teu telefonema!
– Sim, amor, eu estou em casa, talvez, antes das dez… muito trabalho sabes… Espera, tenho outra chamada… Olá Mónica! Jantar hoje, sim, não, não me esqueci, está tudo tratado… sim, ela julga que eu estou a trabalhar…
– Vvvvvvrrrrrrrrrrrruuuuuummmmmm… PpppAaaaMmmm!!!
– OOOooooohhhhHHHHHH!!!!!!
– Não há nada para ver! Circulem! Circulem!
– Para a Sé?
– À direita… à esquerda… contorna… depois… e passando os semáforos… então sempre em frente… e vira na esquina da… com a… e então a direito… é muito fácil…
– E para a Morte? Para a Morte? Para a Morte?
– À direita… à esquerda… contorna… é muito fácil…

(Lisboa, 17/07/98)

Friday, June 15, 2007

Formas de Ver a Alma - O Desabafo da Senhora das Limpezas…:


Quanto é preferível ao ódio o amor! O amor apaga-se. O ódio não...

(Lisboa, 05/04/98)

Thursday, June 14, 2007

E=MC2...

Numa equação matemática, o Homem, figura fixa, está no centro de tudo. A Vida e a Morte são as variáveis.

(Lisboa, 04/04/98)

Wednesday, June 13, 2007

Ser, Verbo Intransitivo…:


Na Gramática da Vida, morrer é um verbo que se conjuga no Tempo Imperativo.

(Lisboa, 02/04/98)

Tuesday, June 12, 2007

Exortação Breve e Amargurada:

E prossiga a Vida, filha do Acaso, escrava do Capricho, géma da Demência, perdição do Homem!

(Lisboa, 01/04/98)

Monday, June 11, 2007

Carbur-a-dor…:

Desejar a Morte é dar desculpas à razão para que esta se mantenha viva...

(Lisboa, 28/03/98)

Sunday, June 10, 2007

Diário do Caçador de Sonhos:

Escrevo directamente no papel com uma caneta nova. Anoto as sensações tal como as recebo, sem reparos, correcções ou ajustes de razão e de estilo. Escrevo por escrever, sem um motivo. Isto equivale a dizer que o faço porque tal é, para mim, absolutamente necessário. Penso um pouco nas coisas. O que é estar aqui? Um bocejo… Expectativa apenas, um denso nevoeiro que esconde dos sentidos o que a vida nos dá.
Tão tarde! Duas da manhã… E pensar que tenho preguiça de dormir! Que absurdo!
Gostaria de deixar neste texto a marca do meu génio imaginado, do meu génio presumido de ser grande, maior do que a minha altura (como dizia o Caeiro), uma mensagem profunda e simples que enchesse o coração dos homens. Mas nenhuma mensagem de nenhum génio poderá preencher tamanho vazio…
Imagino-me um artista, e penso, no contexto dessa imaginação, como gostaria de ser original. Mas a originalidade é cada vez mais inviável como tema - pois já tudo foi dito. O original limitou-se ao como e não ao objecto exacto de que se fala. Eu sou portanto a repetição de um protótipo de homem que de tanto se manifestar é degradação e tédio, e a minha unicidade consiste apenas na minha teimosia em declarar-me único. A prova de isto ser mentira está no meu inevitável enquadramento no sistema. A prova de isto ser verdade está na minha inegável e tortuosa inadaptação. Qual das duas provas me está a mentir?
Cheguei há pouco ao quarto… Lembro agora que saí para ver a paisagem urbana. Caramba, que frio! Como odeio o Inverno! Ter de passar os dias com a paisagem a brincar maldosamente ao Negro Espelho do Homem! Quase dez anos volvidos, releio o texto, revejo a paisagem e vejo Lisboa a nevar como já não se via há 49 anos! Há 49 anos! Ena! Nunca tinha visto Lisboa a nevar… Quase dez anos depois reentro no quarto (mas esse quarto não é já o mesmo e também eu sou diferente) e lembro o quarto de há dez anos atrás, em que a lâmpada se fundiu quando premi o interruptor e me deixou às escuras: «Foi Deus que me deixou às escuras», pensei para comigo, «foi Deus». Um culpado tem forçosamente de existir se não puder ser eu… Um culpado, um culpado… Porque nos consola tanto a transmissão da culpa para um outro, a justificação das nossas frustrações?
Viver é simplesmente limpar o pó à tristeza, puxar o lustro à amargura, sacudir os trapos do sono, alinhar o vinco das estrelas em que pomos a sorte que dizemos faltar, dar graxa aos sapatos da resignação, sacudir as solas do conformismo à entrada da casa de luto que escolhemos ter. E pensar que de uma janela aberta poderia entrar luz! Mas como vencer o obstáculo das longas persianas?
Tantas contrariedades às nossas determinações! E há quem diga ser possível ser feliz!
Improbabilidades, coisas impossíveis… e ei-las sempre por aí a acontecer! A normalidade é então a anomalia repetida dos nossos imprevistos. O anormal é a excepção da estabilidade. Mas como poder estar estável se o Universo é um corpo em movimento?
Tanta raiva! Bonito serviço! Mais uma lâmpada fundida! No meu quarto de há dez anos parti um objecto que me era caro. No meu quarto de hoje parti o coração de quem me achava bom. E se eu te contasse que todo eu sou Inferno? Estou perdido como Dante, sem um Virigílio na vida que me guie. A verdade é essa. Olho em redor, contemplando, friamente, indiferentemente, as marcas de toda a destruição: uma tábua com pregos, uma tábua com pregos, uma tábua com pregos, tirar os pregos e gostar da tábua, assim, como ela está, esburacada e inútil, feia, arruinada. Comprazer-me com a ideia cruel de que essa tábua é o meu peito ou melhor, melhor, a ideia de que ela é o peito de um outro. Amar ser cruel como quem ama o amor, como quem ama uma mulher ou um homem. Imaginar atrocidades incríveis com um sorriso nos lábios.
O meu quarto de hoje: estou acompanhado como se estivesse só.
O meu quarto de há dez anos atrás, em que não era senão um sonho de um homem: Cacos de algo de que antes gostei e que agora não tem mais modo de me cativar. Olhei então em redor: estava só como quem estava acompanhado. Espelhei a minha fúria no vidro e vi-me monstruoso no reflexo da janela entreaberta. Escondi o rosto para não me olhar: acobardei-me com medo do monstro. Fechei-me em copas dentro do meu mundo e joguei espadas (para o defender) no mundo dos outros. Estou num jogo de cartas, somos quatro (como convém nos grandes jogos de cartas). Sentados na mesa quadrada ao centro do quarto pequeno, da esquerda para a direita: Eu, o Meu Deus, o Meu Demónio, Eu. Da direita para a esquerda: Eu, o Meu Demónio, o Meu Deus, Eu. Invariavelmente: Eu, Eu, Eu, Eu. Copas, copas, corações destroçados; ouros, ouros, subornos à Ventura; espadas, espadas, os outros chacinados; paus, paus, a raiva que perdura… E eu sempre perdendo na aventura, e eu sempre perdendo na aventura…
Essa derrota que vislumbro de longe (na distância inefável de dez longos anos) vê-se nas coisas mais simples.
Desejei ser sublime. Lembrei o mito de Deus: o mito que evapora como o vinho, o mito que sou eu…
No meu quarto de outrora: a lâmpada fundida, a solidão profunda, a vida triste… Gritei então original e divino: «Faça-se luz!» - e a luz fez-se. Depois sentei-me, dividi-me em dois, e a minha alma partiu-se…
No meu quarto de hoje abro a gaveta da mesa de cabeceira e tiro uma capa velha de cartão, dobrada, encardida, coberta de pó. Solto os elásticos que a mantinham fechada e tiro dela as folhas que continha. Nelas estão guardadas com cuidado extremo essas colagens da alma que era minha. Mas juntá-la de novo era um esforço que não quero ter. Ela partiu-se, pronto!, não vale a pena falar mais no caso. Guardei por recordação e nostalgia essa relíquia dos restos que a compunham como um excêntrico zeloso dos seus antepassados guarda num frasco, embalsamados, os restos dos seus tetra-tetra-avós. É no fundo uma coisa de museu. No máximo é de contratar um historiador ou antropólogo que queira sacudir-lhe a poeira e traçar-lhe o retrato. Até lá está muito bem onde a deixei, colada, fechada e poeirenta. De que me serve uma alma se afinal, com ou sem ela, a vida é vazia e triste e lazarenta?
Oh, sim, no meu quarto de hoje, no meu quarto de outrora, o mesmo quarto, outro quarto, eu o mesmo de a criança de ontem, ou o homem de hoje que ainda parece um menino mas está velho e triste e se fez vil, que importa?! Tudo não resulta em mais do que impressões num texto com caneta nova anotando memórias muito antigas, coisas vagas que se confundem no tempo, anotando impressões por simplesmente anotá-las ou por simples necessidade ridícula de compensar o meu enorme absurdo de existir, que não tem razões que o justifiquem nem precisa delas! Que me importa tudo isto afinal?
Porque a razão sucumbe ao medo que a devora, como sempre o Bem sucumbe ao Mal…

(Lisboa, 24/03/98)

Saturday, June 09, 2007

Solidão - O Que Faz Falta…


A pior solidão é quando sentimos falta de nós próprios.
(Lisboa, 07/10/97)

Friday, June 08, 2007

A Linha do Tempo:


Não existe Passado nem Futuro, apenas um Presente Interminável.


(Lisboa, 15/05/97)


Thursday, June 07, 2007

Surpresa:

E pensar que é a dor que nos torna Humanos!

(Lisboa, 01/05/97)

Dúvida de Consumidor

«O laboratório está fechado para férias – de 6 a 24 de Agosto» - E a vida? Quando fecha para férias? – De preferência sem data fixa…

Lisboa, 06/08/01

Wednesday, June 06, 2007

As Palavras e O Peso...:

Não há palavras mais difíceis nem palavras mais fáceis. Há simplesmente palavras mais completas do que outras.


(Lisboa, 29/04/97)

Tuesday, June 05, 2007

Α – Ωmem:

Não somos nada, não podemos nada, mas fazemos parte de tudo. Somos o princípio e o fim do Mundo.~

(Lisboa, 21/09/96)

«A Mancha Humana»

O Homem? O ser perfeito manchado de imperfeições…
(Lisboa, 19/09/96)

Monday, June 04, 2007

Diário de um Criminoso - «Do Relatório do Meu Caso de Polícia»:


O ódio tem razões que só se entendem nas cicatrizes do corpo.

(Lisboa, 18/09/96)

Sunday, June 03, 2007

Sim, Porfia...

Esforçar-me, forçar-me, levantar-me, um estoupo… e de novo tombar nesse implacável fosso…

(...)

Há uma Força assombrada que me puxa;
É uma alma penada?
É uma bruxa?
É de tudo e de nada... Luta, luta!

(Lisboa, 17/09/96)

Saturday, June 02, 2007

Ah, Minha Pérsia, Onde Estás Tu?

Que dia infernal! Mais uma batalha perdida!
É nestas horas de raiva que eu partilho com Xerxes
o luto da derrota…

(Lisboa, 12/09/96)

Lágrima ou Uma Forma de Sentir...

Gota, simples gota de um rio que há-de secar.
Um mensageiro vem trazê-la é superfície:
É a Tristeza? É o Amor? O Riso? É o Luar?
Sulco de terra rasgando essa planície
Que é o rosto de alguém...
Um tirano há-de vir para a beber devagar -
Rouba dos outros o que em si não tem...

(Lisboa, 11/09/96)

Friday, June 01, 2007

Do Navio...


A vida é o relato de um diário de bordo, que se repete ad nauseam, sem princípio nem fim… (Lisboa, 10/09/96)

Dependências, Fatalismos...


Tudo depende de tudo e nada depende de nós.

(Lisboa, 24/08/96)